segunda-feira, 13 de outubro de 2008

soro

Lágrimas são ações reflexas do nosso sistema imunológico, que ilogicamente expulsa algo de ruim ou objetos estranhos do olho. Essa é a definição mais direta que consegui. Subiu pela traquéia tudo que fazia meu coração bombear, senti arrastar dores e lembranças por que eu não paro de remoer espinhos. Eu deveria cultivar beleza e graciosidade e tal, mas, dissestes um dia que estas definições não importavam que definições não fossem lá importantes, e me deu ânsia de vomito. A temperatura do vomito morna não condiz comigo, meu pulsante coração de gelo é só carne e músculo involuntário, e meus pensamentos estão a vapor quente e incendiário. Tentaste tocar lá na caixa torácica e o ácido que carrego ao redor do órgão cardiológico te queimou, por isso minha ânsia de vomito. Por isso sentei na beirada da ponte, balancei as pernas sem receio para o desfiladeiro, brinquei com arma que não era de brinquedo, por isso o perigo me instiga, me faz ser mais humana. Tudo isso atacando meu cérebro e eu não saí do lado do vaso sanitário do meu banheiro extremamente branco. Acendi um cigarro, saboreei o que ele me trás de misantropia e rebeldia. A beleza de estar vivendo por uns minutos contra a sociedade saudável, meu grito calado contra a ditadura de tudo que amas, contra a necessidade de pressa, sentada e apreciando silenciosamente com um sorriso no canto da boca. Escorreu do meu olho uma gota, pena que ninguém poderá me informar se esta é a famosa lágrima. Dizem os mais velhos que elas lavam a alma, os titãs cantam que tem gosto de soro, os poetas se inspiram com essa água e eu suspiro de tédio. Tédio do destino. Destino que é ridículo. Ridículo é você. E eu amo você, vivo o tédio, vivo você e ajo ridiculamente. Sou você, não consigo te odiar. Deveria, mas, não consigo. Minha boca se abre em um bocejo. Aonde tropecei e perdi os sentimentos? Jurava que os carregava junto ao peito apertando-os contra o peito, e agora estou com as mãos soltas no ar, e na minha memória não faço idéia onde os deixei. Estou passiva, estou maquina, a rir, a trabalhar, a andar, a respirar. Corações quebrados não costumam reagir assim e esse fato só me deixa mais ciente da minha falta cardiológica, do vazio. Talvez não sinta mais, talvez nunca sentisse, talvez ele (meu coração) não exista, não sinta, não bata. Não deveria, não pararia se te tocasse uma só vez, como uma eletricidade pulsante sombreada luz azul. O cigarro acabou, minha existência passa a pesar sob meus ombros pequenos e frágeis, e a existência é uma gorda nojenta. Eu sou fraca, não resisto a existir. Não resisto a você. Prefiro desistir, desisti de existir, desisti de você, desisti de sentir o gosto de soro e lavar a minha alma, desisti de mim.

2 comentários:

Lanz. disse...

Bom, a algum tempo estás nos meus favoritos, e a mais tempo ainda eu leio teus textos, mas cara...
...esse me tocou bem onde as larvas agem com mais intensidade, larvas vulcanicas.
Muito mara!
Parabéns.

Emilly Gama disse...

Tua linguagem me lembra muito Augusto dos Anjos,mesmo tu escrevendo prosa (: