terça-feira, 27 de maio de 2008

platônico.

quinze minutos para meia noite, abri a porta de casa silenciosamente, para não acordar as pessoas que já dormiam mais do que tranqüilas naquela madrugada de segunda para terça. Sentei no chão de mármore frio, acendi um cigarro com o fogo de um fósforo velho; Todo mundo devia realmente se conhecer, homens, mulheres, bichos, plantas... é tudo tão impessoal, sexo, amor, amizade, tudo superficial. Quando você realmente acha que conhece alguém, ela te escapa, te mostra que você não sabia metade, então nunca se sabe, será que aquele amor antigo do passado realmente foi seu? Isso dói. Eu me orgulhava de ter te tido por inteiro, quando sempre quis. Só cometi um erro improvável, disse que não queria mais, te querendo ainda, até hoje te quero muito, entretanto nem sei se o que eu quero é a imagem que fiz de você, aquele amoroso que faz tudo pela pessoa ou esse muro de lamentações que tenta preencher no meu lugar do seu lado uma menina exatamente igual, mesmo cabelo, mesmos pensamentos, mesmas paixões, é quase uma versão mais velha de mim, e uma coisa que você sempre reclamava era a minha idade. Incrível como ter umas primaveras a mais ou a menos prejudica um relacionamento. Devemos ressaltar como eu era muito mais madura do que seus vinte e muitos anos. Tenho certeza que você com aquela sua sombra manchada de outros sentimentos preferiria me amar, e que pensa em mim quando ta lá com ela na cama. Quando eu a vi contigo, senti um dejavú, vi exatamente seu desespero quando ela comentou que signo era o dela, e você sorriu cúmplice pra mim, era o mesmo do meu. Você mora entre o céu e a terra, mais especificamente sobre a terra, mas, tem um poder enorme de me fazer elevar de vez em quando. Ou até mesmo me levar a mais profunda cova entre a terra e a larva, mais perto da larva. Ainda bem que não sabe disso, por que se soubesse seria uma desgraça digna de noticiário das 10. Acredite, acho que não te conheço, nunca te vi de verdade e você acha também que eu sou o que não sou. Então, estamos quites, o mundo não precisa rodar ordenadamente para continuar a existir, por mais que me sinta machucada e anormalmente cansada disso tudo, a vida continua, o relógio não para de se mexer, e me lamentar ou não se tornou inútil, já que não adianta chorar, espernear, querer voltar atrás, simplesmente não tem jeito, tenho que me acostumar com o fato de que sentindo ou não algo por você a nossa situação rotineira não vai mudar, nunca vai mudar o fato de todo santo dia estar exatamente do seu lado e nada acontecer, sentir minhas mãos suarem só com a perspectiva de falar contigo, e desviando o olhar, me tremendo dos pés a cabeça quando seu olhar me encontra, por que na verdade nunca nos conhecemos. Lembro de um dia em que alguém me disse que às vezes é bom ter uma paixão platônica, na época achei absurdo, passei umas duas horas discutindo veementemente com a criatura, achei uma falta de respeito com o que considerava amor, a pessoa deixar de viver um sentimento, manter uma imagem irreal de alguém, por puro prazer, como aquele receio de animalzinho ferido e caçado, para não conhecer a fundo e se decepcionar, 'poxa, se joga, a vida tá ai pra isso, não vale a pena alimentar esse sentimento se você não vai viver! É muito hipócrita!', falei com uma sabedoria superior de quem vê tudo de cima e de uma maneira bem parcial. Ali sentada no mármore frio, não precisei de mais do que dois cigarros para me fazer valer dessa teoria, é muito bom ter um amor platônico, por mais que doa, machuque, crie fantasias irreais, medos irrevogáveis, me senti a covarde mais corajosa do mundo por assumir para mim isso, e não assumir para ninguém, vai que algum dia desses você banca de fazer uma besteira na minha frente e todo o conto de fadas de demorei cerca de 5 anos para fazer de nós dois um casal mais do que perfeito, e com um momento de contradição você vai e desmorona? Eu realmente amo você, mesmo, mas, prefiro você longe, ali sentado comendo um sanduíche do lado do meu sonho que fiz ontem pra você.
O ar da noite bateu na minha cara, e eu acordei daquilo me sentindo mais mulher, mesmo sabendo que isso era tão infantil, eu sou uma bizarra contradição, cheia de problemas, dúvidas, manias improváveis, mas, todo dia alguém morre, e outro alguém vive, e minha falta de coordenação sentimentalista não vai fazer isso parar, passei então a aceitar essa resignação do mundo e do futuro, por mais que todo dia eu tenha que conviver com essa avassaladora vontade de cutucar você e comentar o quão bonito tava seu cabelo ontem a noite no meu sonho, eu vou me controlar, por que esse desejo pode acabar um dia com um simples erro seu, e prefiro ser a louca que deseja do que a louca desiludida.

Um comentário:

TIAGO JULIO MARTINS disse...

Sinto um leve ódio das paixões platônicas.
Fazem eu me contradizer totalmente, tiram de mim o senso crítico, a capacidade de análise, a racionalidade... O pior é lutar pra suprimir com uma força que é totalmente desproporcional e ridícula comparada ao ''contato'' com a outra pessoa... Em especial quando isso acorre por vias 'internéticas, é quase metafísico e ainda mais ilusório. Argh.

Texto carregadíssimo, como sempre.
Queria sentir algo tão grande e verdadeiro.